O Instituto Gaia foi uma das Instituições apoiadoras do XIII Congresso Brasileiro de Etnobiologia e Etnoecologia, coordenando juntamente com a REDE de Comunidades Tradicionais Pantaneira o Simpósio: “Áreas Úmidas sem Fronteiras: Corredores Bioculturais e Agroecologia” realizado na Universidade do Estado de Mato Grosso, que aconteceu no decorrer da semana do dia 10/07/2022 à 14/07/2022, em Cáceres.
O uso da terra para a produção de alimentos é uma prática antiga para a humanidade, com principal propósito na sua subsistência. O plantar e colher faz parte da vida das comunidades, sendo constituída de valiosos conhecimentos e saberes sobre o uso da terra, sendo a produção de alimentos um patrimônio da identidade de seu povo.
O tema central foi a Agroecologia e as comunidades que as compõem, visto a necessidade de se produzir alimentos saudáveis e de modo sustentável, promovendo a soberania alimentar.
Essa discussão é muito importante e deve incluir toda a sociedade, inclusive pesquisadores e principalmente os povos tradicionais, que se fizeram presentes: Comunidade Fazendinha da aldeia chiquitana Portal do Encantado de Porto Esperidião, representada por Maria Graziele Surubi Peteá; Aguinaldo Muquissai Massavi, presidente do STTR/PE, que também articula o Projeto Reviva Aguapeí em Porto Esperidião e seu pai Luiz Massavi, etnia chiquitana; Pedro Souza Ponce - coordenador, e Claudia Sala de Pinho - coordenadora regional da REDE de Comunidades Pantaneira.
Alguns deles compartilharam sua perspectiva quanto a agroecologia:
"Estavamos com escassez de alimentos por conta da seca do rio e o Instituto Gaia forneceu cestas básicas para nossa comunidade e através do projeto, o apoio técnico e como implementar as práticas agroecológicas, pudemos plantar mandioca, milho, banana e feijão, agradeço a Deus e aos apoiadores pela água doce do córrego que tem hoje”. Fala de Maria Graziele, que muito emocionada, dividiu o sofrimento e as dificuldades que a aldeia passa, pela falta de um poço artesiano, que é maior durante a seca do rio.
“Temos um trabalho de reflorestamento da margem do rio Aguapeí, e fomos ameaçados por um produtor de gado na beira do rio que disse “toma cuidado que um dia você vai morrer aí nesse rio”, mas isso não nos desanima, apesar que o projeto que passou na assembléia empoderar pessoas como essa”. Fala de Aguinaldo, que também comentou dos produtos agroecológicos que produz em sua área e na propriedade de seu pai, Sr. Luiz, que agradeceu a oportunidade e todo o apoio e por ser apresentado a novos conhecimentos por meio de seus filhos. Há cultivo de cana-de-açúcar, milho fofo, mandioca, em suas propriedades.
José Aparecido Macedo - mestre restaurador, que possui em sua bagagem mais de um milhão de mudas plantadas e que também faz ações na restauração de nascentes, contou sobre a sua experiência com essas mudas e como cada espécie tem seu solo e bioma específico.
O Sr. Zé, como é conhecido, é proprietário da Chácara Baru, que vem se tornando um espaço educativo e muito importante no conhecimento da adaptação das espécies implementadas, que em consórcio constituem um sistema complexo de interações. Possui banana-da-terra, mamão, urucum, mandioca, cacau e pequi e muitos desses são comercializados em cooperativas da região.
Foto da vista aérea de uma fração da Chácara Baru
Essas três áreas, da Maria e do Aguinaldo e do Sr. José, são áreas pilotos apoiadas pelo Instituto Gaia no âmbito agroecológico, sendo uma delas já em transição agroecológica, sem perder o conhecimento tradicional.
Aguinaldo citou a canjiquinha, espécie nativa do Pantanal que é muito conhecida pelos moradores locais, que a consomem e a comercializam, que a Prof. Dra Solange Ikeda, complementou dizendo que essa espécie é considerada mato/invasora para os grandes fazendeiros e que o ideal é sua proteção por meio da criação de uma Lei Municipal da Canjiquinha, dada sua grande importância para os moradores locais e para o Pantanal como inteiro. A qual já está sendo articulada pelo Instituto Gaia e parceiros.
Infelizmente o Pantanal sofre ameaças à biodiversidade e à memória das comunidades tradicionais, camponeses, ribeirinhos e pescadores.
Lúdio Cabral, Dep. Estadual pelo Partido dos Trabalhadores, esteve presente no simpósio e disse que a agroecologia rompe com a falácia de que é o agronegócio que alimenta o mundo e que ela representa a bandeira do que queremos para Mato Grosso, porque precisamos sair do modelo econômico pautado em commodities. Sendo a agroecologia o caminho para a construção da realidade que desejamos.
Alguns dos pesquisadores contribuíram com o diálogo, como o Prof. Dr. Fernando Ferreira de Morais, que veio a convite do Instituto Gaia lá da Paraíba, onde é docente na UFPB e coordenador do LABOAA - Laboratório de Botânica Aplicada à Agroecologia, que compartilhou a seguinte experiência:
"O que despertou meu interesse em estudar a agroecologia foi o contato com um senhor que tinha roça, que quando questionado sobre se não era melhor que ele ao invés de plantar comprasse os alimentos, respondeu “aí eu não saberia o que eu estaria dando para a minha família comer”. Ressaltou a importância da Política Nacional de Agroecologia e do decreto 6040 para o apoio na transição agroecológica.
E acrescentou: "a academia está falhando na formação do estudante de biologia por explicar conceitos, mas não os trazer para o contato com o agricultor, com a terra e com a natureza”. Deu o exemplo de um projeto de tecnologia social pelo LABOAA que leva para a feira a “Barraca da Ciência” para que alunos dialoguem como os agricultores.
O que vai de encontro com as falas da comunidade tradicional, que recebe muito bem alunos e pesquisadores em suas terras, para dialogar sobre um bem comum a todos nós, que é o uso da terra. Inclusive alguns membros do Instituto Gaia puderam ir até essas áreas pilotos conhecer e contribuir com a adesão da prática agroecológica por esses grupos.
A foto acima foi feita durante uma das visitas na Terra indígena do Portal do Encantado, que aos poucos introduz a agroecologia em seu modo de plantar
João Ivo Puhl, integrante do Instituto Gaia e presidente da COOPERSOOL - Cooperativa de Consumo Solidário e Sustentável, disse que desde criança a agricultura faz parte da sua vida e que antes fazia a prática agroecológica sem usar este nome, que surgiu somente na década de 1960. Fez um histórico sobre o processo de desapropriação do conhecimento que foi acontecendo não só no campo, mas também na cidade ao longo dos anos. Segundo ele, o problema está no manejo da informação/conhecimento. E complementou:
“A rotação de cultura, agricultura itinerante é uma cultura antiquíssima que todos os povos da floresta já utilizavam (planta milho na área, depois no mesmo lugar planta mandioca). O agroecologista tem que ser um cientista multidimensional, pois o agricultor agroecológico é um observador e é preciso ter paciência para observar a dinâmica da natureza (das formigas, insetos). Saber manejar a informação, pois há muita informação engavetada que não chega no agricultor”.
O que põe em evidência o desenvolvimento da capacidade de comunicação com o povo, e mais que isso - na língua do povo. Promovendo a massificação do conhecimento já disponível.
Fotos: Instituto Gaia
Por Maura Palocio, Instituto Gaia